sábado, 31 de julho de 2010

Cronologia de uma prosódia

Ô menino!

Larga esse instrumento e vem jantar!
Se ao menos tivesse estudando pra ser doutor...

...

Ô menino!

Que música é essa que você tá tocando?
Como é o nome mesmo?!

...

Ô menino!
Ô menino!

Ô menino bom!
Aquele ali é meu filho, seu doutor!

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dissonância

No frio silêncio da noite
Ouço apenas o ruído agudo
Das preocupações
Enquanto busco refúgio
Na compreensão que não me pertence

Zumbem-me os ouvidos
Como ecos desafinados
Da sinfonia da vida
Que me escapa
Por entre frestas de sonhos

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vida Minha

Vida minha certo dia me lançou um olá
Me escreveu um querer
Do outro lado de lá

Vida minha certo dia me chamou pra sair
Me mostrou seu sorrir
Me pediu pra ficar

Vida minha certo dia me contou um segredo
Asterisco sem medo
Me ensinou a sonhar

Vida minha certo dia aceitou meu pedido
Preencheu de sentido
Meu singelo cantar

Vida minha cada dia me permite sentir
Que a magia da vida
Se traduz em te amar!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Orfeu às avessas

Sempre achei por demais curiosa a construção dos deuses pelos antigos, particularmente os gregos. Por um lado poderosos e imponentes em sua elevada posição, por outro, contaminados com uma humanidade que os fragiliza, vitimiza e muitas vezes os expõe ao ridículo. Senhores dos destinos de homens e mulheres, não conseguem lidar bem com suas próprias idiossincrasias e limitações, condição essa imposta como uma espécie de compensação mitológica. Submetidos a uma hierarquia familiar, são movidos por um insaciável desejo de vingança, que recai sobre seus divinos pares e também acaba sobrando, logicamente, para os pobres mortais. Os deuses gregos são sádicos, invejosos e perversos, características muito mais evidentes do que a suposta nobreza heróica de seus postos.

Curiosa é também a perpetuação desses mitos como temas artísticos até os tempos mais recentes. Tomemos o mito de Orfeu como exemplo. Filho mortal de Apolo, Orfeu representa o dom da música. Com sua voz e sua lira é capaz de deleitar e convencer quem quer que seja, desde pássaros até monstros. Eis que outro filho de Apolo, Aristeu, resolve tomar-lhe a amada Eurídice à força. Fugindo das investidas de Aristeu ela é mortalmente picada por uma cobra, na verdade o deus do submundo, Plutão. Eurídice vai parar no inferno e Orfeu pretende trazê-la de volta com o poder de sua música. Plutão, ciente do orgulho e da vaidade de Orfeu, finge sensibilizar-se, mas impõe-lhe como condição para levar Eurídice de volta que ele não olhe pra ela até deixarem o inferno. Sua intenção sádica se concretiza por fim, quando Orfeu não consegue evitar a visão de sua amada, fazendo com que ela fique presa no inferno por toda a eternidade.

Desde a criação da ópera, no início do século XVII, o mito de Orfeu recebeu centenas de montagens diferentes, levando-se em conta apenas os compositores e libretistas que se dedicaram a tal tarefa. Se pensarmos apenas nas obras mais importantes desse universo, tais como as óperas L’Orfeo de Monteverdi e Orphée et Eurydice de Gluck, devemos ter em mente que cada vez que uma delas é apresentada, entram em jogo interpretações pessoais diversas, que envolvem além dos solistas, coro, regente e orquestra, o diretor geral, cenógrafo, figurinista e iluminador, cada um deles responsável por um aspecto vital da performance.

A ópera é um gênero que atravessou quatro séculos e continua vivo, mesmo na era do cinema, por causa da possibilidade que abre de se contar histórias valendo-se da música como principal condutora dos sentimentos das personagens da trama. E quando a trama envolve a mitologia antiga, a obra se reveste de uma aura clássica, de uma atmosfera de solene reverência, como se os antigos soubessem melhor como falar de sentimentos, pois eram deuses e humanos ao mesmo tempo. Através das árias assistimos desfilar o amor e o desespero, a bondade e a crueldade, inveja, orgulho, paixão... Virtudes e defeitos que parecem em estado puro, como se tivessem sido originalmente criados pelos mitos, como se aquelas histórias fossem a fonte primordial das alegrias e dores humanas.

Para contar essas histórias hoje em dia, há quem as ambiente completamente no passado, criando cenários e figurinos de época, mas há também montagens pós-modernas, que exploram formas geométricas, tonalidades de cor, cenários e figurinos que parecem saídos de filmes de ficção científica. Mesmo assim, a música e a história permanecem fiéis ao original, como no caso de Monteverdi e Gluck.

O compositor Jacques Offenbach, porém, imaginou e concretizou um Orfeu completamente diferente. Sua opereta Orphée aux enfers, de 1858, é uma sátira que subverte as expectativas e os valores associados aos personagens principais. Em sua visão, Orfeu e Eurídice são casados, odeiam-se mutuamente e possuem amantes. Em vez de encantar, a música de Orfeu causa calafrios na esposa. Ambientada na França do século XIX, a obra inclui também passagens no Olimpo, trazendo os deuses gregos para a mesma época da trama. Orfeu só vai ao inferno pela esposa por pressão da opinião pública, que na opereta é personificada por uma mulher. Ao fim de tudo, ficam felizes por estarem separados, por obra dos deuses.

A música de Offenbach é rica e inventiva e funciona extremamente bem para as cenas que ajuda a retratar. A obra como um todo torna-se vivamente interessante para quem está familiarizado com o mito original e com as montagens tradicionais, pois o compositor cria sutilezas e citações que só assim são perceptíveis. A opereta ajuda a dessacralizar o mito e cria uma forma divertida de encarar a intertextualidade. Os deuses continuam invejosos e sádicos, perversos e orgulhosos, mas agora podem nos fazer rir ao invés de nos fazer pagar o preço de tê-los criado impregnados de humanidade.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Criança Secular

Canto

Encanto de nascer

Um sonho pra crescer

No conto de viver

Encontro de você

Um lírio no jardim

Amanheceu em mim

Um campo pra plantar

Na calma de se amar

Sou criança secular

segunda-feira, 26 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

Música

Difícil imaginar como seria nossa vida sem a música. Seria como extrair as cores do mundo, deixando tudo cinzento e entediante.

A música é um ser coberto de mistério e encantamento, sem corpo físico, etérea vibração que nos instiga e alimenta nossos mais profundos sentimentos. Ao mesmo tempo nos desafia o intelecto, nos faz perguntas sobre ela própria e sobre nós mesmos, perguntas que nem sempre estamos prontos a responder. Pois a música nos reinterpreta a cada instante; a nós humanos e a nosso tempo. Expõe abertamente nossas fraquezas, como se esperasse que uma culpa redentora pudesse transformá-las. Por outro lado, sabe como ninguém valorizar e preservar as virtudes, com que lhe impregnamos em momentos transcendentes de criação.

E são tantos, mágicos, intensos, apaixonantes, inebriantes momentos em dó maior, ou fá, si, ré... Cromáticos momentos, minimalistas ou tribalistas, etno-dodecafônicos, gregorianos ou balineses, contrapontisticamente intrincados, liricamente perfeitos, simplesmente divinos; momentos barrocos e pós-modernos, cristalinos ou eletrônicos... Momentos vividos no palco, na rua, na roda, no camarote ou na ladeira.

Momentos que hoje podemos guardar no bolso, para revivê-los quantas vezes nos der na telha. Momentos... assim como a vida, a música é feita de momentos, inscritos no tempo, efêmeros e fugazes, mas que felizmente podemos recriar.

A música é uma percepção do mundo. Sim, pois a música ecoa pelo mundo como uma presença obrigatória. A música é uma dimensão do mundo. Uma dimensão repleta de sentidos, significados, valores, ensinamentos, percepções... Uma dimensão que proporciona ao mundo uma beleza própria, uma beleza à parte. A música somos nós, traduzidos sonoramente, simbolicamente. A música não traz conceitos fechados, não existe no mundo visual, não possui o poder de representar nada de concreto. Como diz Oliver Sacks, a música não tem uma relação necessária com o mundo. Mesmo assim, o nosso mundo precisa de música. De boa música.

Podemos analisar o mundo através da música. Podemos dizer quem somos, ou quem julgamos ser, pela música que fazemos. Ela reflete nossos valores, crenças, sonhos, desejos... Como anda a música do mundo? Responder essa pergunta é dizer também como anda a humanidade. A música de hoje reflete uma humanidade superficial, consumista, hedonista, e tecnológica. É claro que existe um outro lado, mas ele parece cada vez mais isolado, mais distante do famigerado senso comum. É preciso educar o mundo através da música. Educar o mundo para a música. Educar o mundo da música e a música do mundo. Ela pode ser muito mais do que sons organizados. Pode revestir-se de uma verdade libertadora, conferindo uma perspectiva inteiramente nova à vida daqueles que se dispuserem a ouvir com um pouco mais de atenção.

A música oferece ao tempo a oportunidade de experimentar por um instante as infinitas alegrias e dores humanas. Transforma os ouvidos em órgãos vitais e lhes transfere o poder de perceber o tempo nos retribuindo e nos tornando imortais.

sábado, 24 de julho de 2010

Conhecimento

Uma pequena grande riqueza do ser humano, um fenomenozinho fascinante esse tal de conhecimento. Instala-se em nosso cérebro, toma lugar em nossa cabeça na forma de elementos químicos ativados por impulsos elétricos. É capaz de coordenar ações, de mover músculos com um assombroso refinamento, de provocar descargas hormonais, criar imagens, mexer com nossas emoções. Um único pedacinho de informação. E quantos desses pedacinhos não acumulamos na vida! Cada um indo se instalar no seu canto, esperando a hora de ser necessário.


Ah, e eles criam associações, sindicatos, cooperativas. Gostam de atuar em conjunto os conhecimentos. Se você ganha hoje um novo conhecimento sobre história, quando menos esperar o metido estará fazendo parte de uma conversa sobre o clima, o cardápio, ou até sobre cinema e futebol.


Mas o fato mais fascinante sobre os conhecimentos é sua incrível capacidade de reprodução. Deixe dois deles juntos um tempinho pra ver... São piores que coelhos! Os coelhos procuram apenas os da sua espécie, os conhecimentos não. Pra eles não há o menor problema se o pai veio de um livro escrito há 300 anos, que você leu nas férias de 1995 e a mãe nasceu de uma música composta ontem pelo seu amigo canadense, que você baixou pela internet e acabou de ouvir no seu ipod. Se você deixar que role uma química entre eles, terá um habitante a mais em seu cérebro antes que possa se dar conta.


Há muitos tipos de conhecimento, mas a maioria deles representa escolhas que fizemos, e essas escolhas acabam construindo a pessoa que somos. Somos nós que escolhemos dar atenção e propiciar o surgimento dos conhecimentos. Eles, por sua vez, nos indicam novas escolhas, novos processos. São esses pequenos habitantes de nosso cérebro que nos vão revelando o mundo. Nosso mundo precisa de conhecimentos dançantes, sorridentes, inquietos, ansiosos por atuar, traduzir, transformar. Só precisamos dar-lhes a chance.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Prazer

- Olá! Muito prazer! ... soam as vozes automaticamente em cotidianos apertos de mão, em matemáticas reuniões ou nas variadas cirandas sociais que costumamos frequentar em busca de nós mesmos.

No frenético carrossel de nosso tempo, a vida passa rápido. Cada vez mais rápido. Enquanto isso somos tomados por sonhos pré-fabricados, verdades pasteurizadas e ideais de supermercado.

Nós, homens e mulheres pós-modernos, cultuamos a alegria em doses, rações de entretenimento que se consome sem moderação. Afinal, o que move a engrenagem de nossa sociedade é o prazer. Que seria de nós sem as sensuais, adocicadas, tecnológicas, infantis, químicas ou televisivas doses de prazer? Ah, sem elas ficariam apenas as frustrações do corpo perfeito ou da conta no banco. Melhor não pensar nisso. Aliás, melhor não pensar em nada. Pra que pensar? Pensar dá trabalho.

É inegável que nossa época negligencia o intelecto em prol dos sentidos. Resume-se a vida a uma festa dos sentidos. Pouco importa se o cérebro porventura se atrofiar por falta de uso.

À margem de todo esse monopólio dos sentidos, porém, há um outro prazer, que foi sufocado pela velocidade e pela superficialidade que se apossaram de nossa existência: o prazer de pensar. Vivemos a imposição de que pensamento e prazer são incompatíveis. Pensar implica em esforço pessoal, o que é tido como algo anti-espontâneo e entediante.

- Pois é, pensar é o que nos torna humanos!
- Ah sim, claro, mas deixemos essa humanidade para os cientistas. Eles que queimem os neurônios pra que eu não precise queimar os meus...

E o prazer de descobrir ou inventar os próprios caminhos? E o prazer de conhecer e incorporar em sua visão de mundo a herança daqueles que mudaram a humanidade pra melhor? E o prazer de ampliar os sentidos para perceber muito além do lugar-comum? Esforço pessoal traz consigo um prazer inigualável. Um viver consciente da própria época, com o poder de fazer escolhas críticas e proporcionar aos sentidos o prazer da diversão e do conhecimento.

Muito prazer pra você que gosta de pensar.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Símbolos

Vivemos num mundo de símbolos. O espírito humano é uma cidade cheia deles. Navegamos pelo mundo através dos símbolos. Construímos nossa comunicação e nossos referenciais através deles. Estamos o tempo todo vendo ou ouvindo alguma coisa, e pensando em outra coisa, por associações simbólicas. Os símbolos criam para nós as explicações do mundo. Simples assim. Complicado assim.

O mundo somos nós! Somos pretensiosos a ponto de achar que entendemos o mundo. Criamos símbolos pra isso também. Para nos dar as respostas que não podemos ter. Para nos consolar frente a nossa suposta insignificância ou a nossa finitude. Para justificar nossa magnificência ou superioridade quando assim nos parece oportuno. Simples assim.

Não podemos tomar para nós as dores do mundo, pois temos que ser felizes. Não podemos ficar alheios às dores do mundo, pois temos que ser humanos. Complicado assim.

Viver é um exercício maravilhoso. Ainda ontem aprendemos a decifrar os símbolos básicos que nos tornaram capazes de pensar e de sentir. Hoje precisamos tomar decisões que vão determinar o que isso significa. Talvez viver seja justamente um exercício de interpretação.

Aproveitar a vida, então, é experimentar o encantamento de construir e de acreditar em sua própria leitura do mundo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Por estar em ti

Quero estar nos pensamentos teus
Como a acariciar teu dia

Quero estar nas linhas do teu mapa
Como viajante diário

Quero estar na tela dos teus sonhos
Como observador cuidadoso

Quero estar no escuro dos teus medos
Como lumina presença

Quero estar no teu sentir
Como chama terna

Quero estar no tempo do teu corpo
No espaço do teu mundo
No ritmo dos teus anos

Estou em ti
No perene instante
Em que estás em mim