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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ateísmo

Não acredito em deus. Sou ateu.

Quer saber o porquê?

Acredito que todos os deuses, antigos ou atuais, são criações humanas, pois simplesmente não conseguimos aceitar a ideia da morte. Gandhi disse: “viver seria um passatempo absurdo se tudo acabasse com a morte”. A ideia da presença de um deus é tão forte culturalmente que acaba por (de)limitar a visão de mundo, quase sem questionamentos. Se você tivesse nascido árabe, provavelmente acreditaria em Alah. Se tivesse nascido tupi-guarani rezaria para Nhanderuvuçu ou Tupã, seu mensageiro-trovão. Se fosse um egípcio há três mil anos, teria mais de uma dezena de deuses para lhe explicar o mundo. Somos nascidos no ocidente, na América, e devemos ser, culturalmente falando, cristãos. Todos os outros deuses tendem a parecer ridículos e fantasiosos, menos o nosso. E são milhares deles!

Mitos. É o que são todos os deuses, independentemente da época ou cultura. Personificações mitológicas para confortar nossa finitude e imperfeição e para fornecer respostas prontas a nossas inquietações. Em meu modo de pensar, a humanidade ainda se libertará de deus e poderá atingir seu verdadeiro potencial. Deixaremos de acreditar no divino e passaremos a cuidar mais do humano. Deixaremos de lamentar passivamente nossa frágil condição e passaremos a construir o verdadeiro bem-comum. Aí sim teremos paz, igualdade e fraternidade. Como dizia John Lennon: “imagine there’s no heaven... and no religion too”.

Sou ateu por acreditar que a fé religiosa e a noção de deus nos limitam, nos segregam e nos impõem um temor constante da própria vida. Sou ateu por acreditar que toda essa história cristã, por mais tocante que seja, é uma grande e elaborada mentira. Sou ateu e não estou sozinho. As pessoas estão perdendo o medo de pensar por si próprias.

Pensar assim não significa deixar de aproveitar o que de bom ensinam as religiões. Pensar assim não significa jogar fora as virtudes, o bom senso, a responsabilidade e a moral. Exercer tudo isso sem a noção de um juiz observador pode ter mais valor do que fazê-lo apenas pelo temor do julgamento e da punição do sofrimento eterno. Mesmo sem estar engajado em algum programa voluntário, minha espiritualidade chama-se altruísmo, seja como mera esperança, concepção de mundo ou ideologia de humanista secular.

Se essa leitura puder proporcionar uma nova perspectiva a considerar, já terá valido a pena.

Se quiser entender como encontro conforto para a ideia da morte, leia o ensaio “Imortalidade”.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Imortalidade

Quem quer viver para sempre?

Ser imortal é uma das maiores preocupações do ser humano. Gastamos tanta energia com essa ansiedade que esquecemos de viver a vida que temos.

A quantidade de eventos necessários para que cada um de nós pudesse estar vivo é absurdamente imensa. Tomando apenas o momento da concepção, dentre os milhões de espermatozóides, caso o do lado vencesse a corrida, haveria outra pessoa em meu lugar. Eu só existo porque exatamente aquele espermatozóide e aquele óvulo acabaram se encontrando naquele específico momento. Muito doido pensar nisso. Isso vale para cada pessoa no mundo. Se somarmos o fato de que, dentre todas as oportunidades de concepção entre meus pais, justamente aquela foi bem sucedida, o quadro torna-se ainda mais dramático. E se eles nunca houvessem se conhecido? E se no momento da concepção que os gerou, outro espermatozóide tivesse sido mais rápido? Agora acrescentemos todos os ancestrais...

Quando formamos na mente uma vaga noção da cadeia de eventos naturais que gerou cada pessoa do mundo, passamos a encarar a vida sob uma perspectiva diferente. Foi preciso haver uma ridiculamente enorme sequência de encontros para que se apresentasse a chance de cada um de nós existir. Só tivemos essa única chance, e a aproveitamos.

É difícil aceitar a ideia da morte como fim da consciência, como término da oportunidade de experimentar o mundo. A finitude da vida pode ser confortada, porém, pela consciência de que a probabilidade de nunca haver existido é infinitamente superior à de existir. Mesmo assim estamos aqui. Por que temer então a morte? Melhor fazer a vida valer a pena.

A fé religiosa nos tem feito acreditar que a vida que temos é apenas um estágio supervisionado, ou pior que isso, um estágio probatório. Nada disso! Somos autônomos. Devemos fazer o bem não por causa de um relatório a prestar no final, mas simplesmente porque isso torna a vida melhor, a minha e a de todos os que tiveram a oportunidade ao mesmo tempo que eu.

A imortalidade não está no paraíso, mas nas melhorias que proporcionamos ao mundo, pois ele vai continuar existindo depois que nos formos, e outras pessoas com a mesma sorte poderão usufruir daquilo que deixarmos como herança. Ser imortal é permanecer no mundo, na saudade do mundo. Enquanto isso não acontece, sejamos apenas felizes mortais.

domingo, 25 de julho de 2010

Música

Difícil imaginar como seria nossa vida sem a música. Seria como extrair as cores do mundo, deixando tudo cinzento e entediante.

A música é um ser coberto de mistério e encantamento, sem corpo físico, etérea vibração que nos instiga e alimenta nossos mais profundos sentimentos. Ao mesmo tempo nos desafia o intelecto, nos faz perguntas sobre ela própria e sobre nós mesmos, perguntas que nem sempre estamos prontos a responder. Pois a música nos reinterpreta a cada instante; a nós humanos e a nosso tempo. Expõe abertamente nossas fraquezas, como se esperasse que uma culpa redentora pudesse transformá-las. Por outro lado, sabe como ninguém valorizar e preservar as virtudes, com que lhe impregnamos em momentos transcendentes de criação.

E são tantos, mágicos, intensos, apaixonantes, inebriantes momentos em dó maior, ou fá, si, ré... Cromáticos momentos, minimalistas ou tribalistas, etno-dodecafônicos, gregorianos ou balineses, contrapontisticamente intrincados, liricamente perfeitos, simplesmente divinos; momentos barrocos e pós-modernos, cristalinos ou eletrônicos... Momentos vividos no palco, na rua, na roda, no camarote ou na ladeira.

Momentos que hoje podemos guardar no bolso, para revivê-los quantas vezes nos der na telha. Momentos... assim como a vida, a música é feita de momentos, inscritos no tempo, efêmeros e fugazes, mas que felizmente podemos recriar.

A música é uma percepção do mundo. Sim, pois a música ecoa pelo mundo como uma presença obrigatória. A música é uma dimensão do mundo. Uma dimensão repleta de sentidos, significados, valores, ensinamentos, percepções... Uma dimensão que proporciona ao mundo uma beleza própria, uma beleza à parte. A música somos nós, traduzidos sonoramente, simbolicamente. A música não traz conceitos fechados, não existe no mundo visual, não possui o poder de representar nada de concreto. Como diz Oliver Sacks, a música não tem uma relação necessária com o mundo. Mesmo assim, o nosso mundo precisa de música. De boa música.

Podemos analisar o mundo através da música. Podemos dizer quem somos, ou quem julgamos ser, pela música que fazemos. Ela reflete nossos valores, crenças, sonhos, desejos... Como anda a música do mundo? Responder essa pergunta é dizer também como anda a humanidade. A música de hoje reflete uma humanidade superficial, consumista, hedonista, e tecnológica. É claro que existe um outro lado, mas ele parece cada vez mais isolado, mais distante do famigerado senso comum. É preciso educar o mundo através da música. Educar o mundo para a música. Educar o mundo da música e a música do mundo. Ela pode ser muito mais do que sons organizados. Pode revestir-se de uma verdade libertadora, conferindo uma perspectiva inteiramente nova à vida daqueles que se dispuserem a ouvir com um pouco mais de atenção.

A música oferece ao tempo a oportunidade de experimentar por um instante as infinitas alegrias e dores humanas. Transforma os ouvidos em órgãos vitais e lhes transfere o poder de perceber o tempo nos retribuindo e nos tornando imortais.

sábado, 24 de julho de 2010

Conhecimento

Uma pequena grande riqueza do ser humano, um fenomenozinho fascinante esse tal de conhecimento. Instala-se em nosso cérebro, toma lugar em nossa cabeça na forma de elementos químicos ativados por impulsos elétricos. É capaz de coordenar ações, de mover músculos com um assombroso refinamento, de provocar descargas hormonais, criar imagens, mexer com nossas emoções. Um único pedacinho de informação. E quantos desses pedacinhos não acumulamos na vida! Cada um indo se instalar no seu canto, esperando a hora de ser necessário.


Ah, e eles criam associações, sindicatos, cooperativas. Gostam de atuar em conjunto os conhecimentos. Se você ganha hoje um novo conhecimento sobre história, quando menos esperar o metido estará fazendo parte de uma conversa sobre o clima, o cardápio, ou até sobre cinema e futebol.


Mas o fato mais fascinante sobre os conhecimentos é sua incrível capacidade de reprodução. Deixe dois deles juntos um tempinho pra ver... São piores que coelhos! Os coelhos procuram apenas os da sua espécie, os conhecimentos não. Pra eles não há o menor problema se o pai veio de um livro escrito há 300 anos, que você leu nas férias de 1995 e a mãe nasceu de uma música composta ontem pelo seu amigo canadense, que você baixou pela internet e acabou de ouvir no seu ipod. Se você deixar que role uma química entre eles, terá um habitante a mais em seu cérebro antes que possa se dar conta.


Há muitos tipos de conhecimento, mas a maioria deles representa escolhas que fizemos, e essas escolhas acabam construindo a pessoa que somos. Somos nós que escolhemos dar atenção e propiciar o surgimento dos conhecimentos. Eles, por sua vez, nos indicam novas escolhas, novos processos. São esses pequenos habitantes de nosso cérebro que nos vão revelando o mundo. Nosso mundo precisa de conhecimentos dançantes, sorridentes, inquietos, ansiosos por atuar, traduzir, transformar. Só precisamos dar-lhes a chance.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Prazer

- Olá! Muito prazer! ... soam as vozes automaticamente em cotidianos apertos de mão, em matemáticas reuniões ou nas variadas cirandas sociais que costumamos frequentar em busca de nós mesmos.

No frenético carrossel de nosso tempo, a vida passa rápido. Cada vez mais rápido. Enquanto isso somos tomados por sonhos pré-fabricados, verdades pasteurizadas e ideais de supermercado.

Nós, homens e mulheres pós-modernos, cultuamos a alegria em doses, rações de entretenimento que se consome sem moderação. Afinal, o que move a engrenagem de nossa sociedade é o prazer. Que seria de nós sem as sensuais, adocicadas, tecnológicas, infantis, químicas ou televisivas doses de prazer? Ah, sem elas ficariam apenas as frustrações do corpo perfeito ou da conta no banco. Melhor não pensar nisso. Aliás, melhor não pensar em nada. Pra que pensar? Pensar dá trabalho.

É inegável que nossa época negligencia o intelecto em prol dos sentidos. Resume-se a vida a uma festa dos sentidos. Pouco importa se o cérebro porventura se atrofiar por falta de uso.

À margem de todo esse monopólio dos sentidos, porém, há um outro prazer, que foi sufocado pela velocidade e pela superficialidade que se apossaram de nossa existência: o prazer de pensar. Vivemos a imposição de que pensamento e prazer são incompatíveis. Pensar implica em esforço pessoal, o que é tido como algo anti-espontâneo e entediante.

- Pois é, pensar é o que nos torna humanos!
- Ah sim, claro, mas deixemos essa humanidade para os cientistas. Eles que queimem os neurônios pra que eu não precise queimar os meus...

E o prazer de descobrir ou inventar os próprios caminhos? E o prazer de conhecer e incorporar em sua visão de mundo a herança daqueles que mudaram a humanidade pra melhor? E o prazer de ampliar os sentidos para perceber muito além do lugar-comum? Esforço pessoal traz consigo um prazer inigualável. Um viver consciente da própria época, com o poder de fazer escolhas críticas e proporcionar aos sentidos o prazer da diversão e do conhecimento.

Muito prazer pra você que gosta de pensar.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Símbolos

Vivemos num mundo de símbolos. O espírito humano é uma cidade cheia deles. Navegamos pelo mundo através dos símbolos. Construímos nossa comunicação e nossos referenciais através deles. Estamos o tempo todo vendo ou ouvindo alguma coisa, e pensando em outra coisa, por associações simbólicas. Os símbolos criam para nós as explicações do mundo. Simples assim. Complicado assim.

O mundo somos nós! Somos pretensiosos a ponto de achar que entendemos o mundo. Criamos símbolos pra isso também. Para nos dar as respostas que não podemos ter. Para nos consolar frente a nossa suposta insignificância ou a nossa finitude. Para justificar nossa magnificência ou superioridade quando assim nos parece oportuno. Simples assim.

Não podemos tomar para nós as dores do mundo, pois temos que ser felizes. Não podemos ficar alheios às dores do mundo, pois temos que ser humanos. Complicado assim.

Viver é um exercício maravilhoso. Ainda ontem aprendemos a decifrar os símbolos básicos que nos tornaram capazes de pensar e de sentir. Hoje precisamos tomar decisões que vão determinar o que isso significa. Talvez viver seja justamente um exercício de interpretação.

Aproveitar a vida, então, é experimentar o encantamento de construir e de acreditar em sua própria leitura do mundo.