segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Shangri-La no Ceará

Esta semana, enquanto esperava minha companhia voltar das compras, resolvi entrar numa das poucas lojas de cds aqui de Natal. Hoje só sobrevivem mesmo se vinculadas a grandes âncoras em shoppings ou megastores. Perguntei ao atendente onde ficava a seção de clássicos e ele me indicou duas prateleiras, onde se encontrava de tudo, menos música de concerto. Enquanto eu tateava, cada segundo menos esperançoso, meu dedicado novo amigo tentava me convencer das qualidades relaxantes de um cd que era na verdade uma coletânea de arranjos orquestrais de música celta, ou algo do gênero.

Após vasculhar bastante, encontrei perdido em outra parte da loja, um único cd de Nelson Freire interpretando os Noturnos de Chopin. Segundo o rapaz o exemplar estava catalogado como Bossa Nova. Percebi que era perda de tempo tentar argumentar qualquer coisa. Resignei-me, pois pelo menos tinha nas mãos uma “raridade” pra levar pra casa. O anúncio do preço de 46 reais acabou de vez com o tom cordial que me esforçava por manter. Entreguei de volta o cd e saí da loja com inveja dos cearenses. Sabia que em Fortaleza já tem Livraria Cultura?

sábado, 4 de setembro de 2010

Fantasia de prateleira

Desde que me entendo por gente adoro uma boa história de ficção, carregada de personagens e cenários que só podem mesmo existir na imaginação. A possibilidade de dar vida a toda essa fantasia, seja em páginas ou na tela, torna menos severa a concretude do mundo e nos permite experimentar um sonho lúcido no qual virtualmente tudo pode acontecer.

Essa inclinação para a ficção, somada ao alarido que ecoava por todo lado, acabaram atraindo minha atenção para um certo seriado de tv, de nome curto e enigmático: LOST.

A curiosidade foi finalmente saciada quando um amigo me emprestou os dvds das duas primeiras temporadas, que devorei em cerca de 3 dias. Pude então compreender a razão de tanto entusiasmo: a série possuía alguns ótimos ingredientes.

O enredo é basicamente o seguinte: um grupo de cerca de 40 pessoas é misteriosamente atraído para o mesmo voo, e o avião acaba caindo numa ilha isolada. Enquanto se recuperam do acidente e vão explorando os arredores, não demoram a perceber três coisas: que não seriam resgatados a curto prazo (estavam perdidos), que não estavam sozinhos e que a ilha era uma enorme caixa de surpresas. Até aí nada de tão extraordinário. Na verdade tudo isso é bastante clichê e já serviu de base para inúmeros filmes, de aventuras baratas a mega produções, incluindo romances, terror, fugitivos, dinossauros e alienígenas.

O que fez das primeiras temporadas de Lost um sucesso tão grande foi a teia de enigmas, construída de modo a prender a atenção, uma vez que certos mistérios iam sendo solucionados à medida em que outros eram constantemente introduzidos. Esse ingrediente, porém, não sustentaria o interesse se não fosse pelo carisma dos diversos personagens. Enquanto iam interagindo entre si, a história da vida de cada um até o momento do acidente era contada nos episódios, aumentando a familiaridade do espectador e criando condições para a catarse, tão importante para o drama.

Ao final da terceira temporada, eu já fazia parte da massa de seguidores, sempre ávidos pelo próximo episódio. Baixava-os um dia depois de irem ao ar no exterior, formulava teorias sobre os enigmas em conversas e acompanhava as atualizações e discussões pela internet.

A este ponto o seriado já havia adquirido uma enorme popularidade em boa parte do mundo e, infelizmente, fenômenos assim não ficam imunes às pressões e tentações capitalistas. O frenesi da fama trouxe consigo o famigerado alongamento da história, com a sintomática inclusão de novos e descontextualizados personagens. A narrativa passou a incorporar deslocamentos temporais e realidades paralelas que fragmentavam a compreensão mais do que renovavam o interesse. A coerência começava a ser preterida em nome da manutenção da audiência, de modo que passei a temer pelo desfecho da história. Mesmo assim continuei firme até o final da sexta e última temporada, na expectativa de ver solucionadas pelo menos algumas dúvidas centrais para o entendimento de toda a série.

Os criadores haviam inserido mais elementos do que podiam controlar. O sonho lúcido aos poucos transformava-se no pesadelo da maioria dos entusiastas, que anteviam a gigantesca frustração iminente.

Após seis anos, a história é enfim concluída de modo simplório e conciliatório, no qual a falta de originalidade por si só já frustraria o espectador que por tanto tempo foi levado a desenvolver sua imaginação e sua capacidade de síntese. Privilegiou-se o processo, em detrimento do desfecho. O processo de manter em alta a expectativa, que por sua vez sustentava a audiência, foi o mais importante. Certamente arrecadaram milhões e criaram novos astros para o mercado, mas desperdiçaram a oportunidade de deixar uma obra artística de valor.

Em meio à crise de identidade, à profusão de estímulos e à superficialidade das informações que imperam em nosso tempo, Lost poderia ter sido muito mais do que mais um produto nas prateleiras. Um produto que hoje não recomendo a meus amigos.