Desde que me entendo por gente adoro uma boa história de ficção, carregada de personagens e cenários que só podem mesmo existir na imaginação. A possibilidade de dar vida a toda essa fantasia, seja em páginas ou na tela, torna menos severa a concretude do mundo e nos permite experimentar um sonho lúcido no qual virtualmente tudo pode acontecer.
Essa inclinação para a ficção, somada ao alarido que ecoava por todo lado, acabaram atraindo minha atenção para um certo seriado de tv, de nome curto e enigmático: LOST.
A curiosidade foi finalmente saciada quando um amigo me emprestou os dvds das duas primeiras temporadas, que devorei em cerca de 3 dias. Pude então compreender a razão de tanto entusiasmo: a série possuía alguns ótimos ingredientes.
O enredo é basicamente o seguinte: um grupo de cerca de 40 pessoas é misteriosamente atraído para o mesmo voo, e o avião acaba caindo numa ilha isolada. Enquanto se recuperam do acidente e vão explorando os arredores, não demoram a perceber três coisas: que não seriam resgatados a curto prazo (estavam perdidos), que não estavam sozinhos e que a ilha era uma enorme caixa de surpresas. Até aí nada de tão extraordinário. Na verdade tudo isso é bastante clichê e já serviu de base para inúmeros filmes, de aventuras baratas a mega produções, incluindo romances, terror, fugitivos, dinossauros e alienígenas.
O que fez das primeiras temporadas de Lost um sucesso tão grande foi a teia de enigmas, construída de modo a prender a atenção, uma vez que certos mistérios iam sendo solucionados à medida em que outros eram constantemente introduzidos. Esse ingrediente, porém, não sustentaria o interesse se não fosse pelo carisma dos diversos personagens. Enquanto iam interagindo entre si, a história da vida de cada um até o momento do acidente era contada nos episódios, aumentando a familiaridade do espectador e criando condições para a catarse, tão importante para o drama.
Ao final da terceira temporada, eu já fazia parte da massa de seguidores, sempre ávidos pelo próximo episódio. Baixava-os um dia depois de irem ao ar no exterior, formulava teorias sobre os enigmas em conversas e acompanhava as atualizações e discussões pela internet.
A este ponto o seriado já havia adquirido uma enorme popularidade em boa parte do mundo e, infelizmente, fenômenos assim não ficam imunes às pressões e tentações capitalistas. O frenesi da fama trouxe consigo o famigerado alongamento da história, com a sintomática inclusão de novos e descontextualizados personagens. A narrativa passou a incorporar deslocamentos temporais e realidades paralelas que fragmentavam a compreensão mais do que renovavam o interesse. A coerência começava a ser preterida em nome da manutenção da audiência, de modo que passei a temer pelo desfecho da história. Mesmo assim continuei firme até o final da sexta e última temporada, na expectativa de ver solucionadas pelo menos algumas dúvidas centrais para o entendimento de toda a série.
Os criadores haviam inserido mais elementos do que podiam controlar. O sonho lúcido aos poucos transformava-se no pesadelo da maioria dos entusiastas, que anteviam a gigantesca frustração iminente.
Após seis anos, a história é enfim concluída de modo simplório e conciliatório, no qual a falta de originalidade por si só já frustraria o espectador que por tanto tempo foi levado a desenvolver sua imaginação e sua capacidade de síntese. Privilegiou-se o processo, em detrimento do desfecho. O processo de manter em alta a expectativa, que por sua vez sustentava a audiência, foi o mais importante. Certamente arrecadaram milhões e criaram novos astros para o mercado, mas desperdiçaram a oportunidade de deixar uma obra artística de valor.
Em meio à crise de identidade, à profusão de estímulos e à superficialidade das informações que imperam em nosso tempo, Lost poderia ter sido muito mais do que mais um produto nas prateleiras. Um produto que hoje não recomendo a meus amigos.